segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O não sentir dos sentidos (por Anderson Neves)


Meu nome é August, August Rush, tenho 79 anos e não sinto nada!


É verdade! Não sinto nada mesmo, nadinha de nada! É bem triste não sentir nada. Cheirar, e não sentir o cheiro. Comer e não sentir o gosto. Amar e não sentir o amor...


Não sinto calor, não sinto frio, não sinto dor, nem alegria, não sinto a presença de ninguém, não me sinto nem vivo e nem morto, não sinto medo ou angustia, não sinto felicidade, e nem ao menos, me sinto infeliz. Não sei o que é sentir fome e nem vontade de comer...


Vou tentar lhes contar em um breve relato, como é minha vida... Mais se vocês não se sensibilizarem, por favor, não se culpem. Como é que eu vou passar alguma coisa que nem sei como é.


Foi difícil pra eu conseguir nascer, é que eu não sentia que estava na hora sabe. Ao nascer eu não chorei! Não senti vontade, o que me levou a minha primeira surra!


Nunca fiz questão de mamar em minha mãe, de me alimentar da vida dela, como um canibal. Mesmo não sentindo que tinha nenhum vínculo com aquele ser que havia me concebido em seu ventre, para logo depois me expulsar de lá tão violentamente, e ainda permitir que aquele homem de mascara me batesse bem na sua frente, embora não sinta nenhum rancor ou amargura por ela.


Quando criança, minhas mal criações eram apenas por falta de vontade de fazer alguma coisa, não tinha vontade de obedecer e isso fez com que minhas surras durassem horas e horas é que minha mãe não entendia que eu não chorava porque não sentia nenhuma dor.


Nunca gostei de banhos, minha mãe ficava possessa, dizia arduamente que eu estava fedendo como um gambá, mais nem preciso dizer que eu não sentia cheiro algum, e se tinha cheiro em mim, era meu. Porque que eu ia querer me livrar dele. Uma vez minha mãe me levou a casa de uma grande amiga dela, me deu um banho daqueles e derramou quase um vidro inteiro do que ela chamava de alfazema em cima de mim. Logo aquela senhora gorda e roliça a quem fomos visitar me deu um abraço e disse que eu era muito cheiroso. Eu logo em seguida respondi: _ Não! O cheiro que a senhora está sentindo é do perfume, eu cheiro a gambá!


Certa vez, ganhei da minha tia surda, um cachorro. Coloquei o nome dele de “Nada”. Nada não fazia nada o dia inteiro, mais eu nem ligava. Eu passava o dia inteiro observando o nada, que Nada fazia. Posso até dizer que ele foi meu primeiro amigo.


Isso se eu pudesse sentir o que é a amizade – três dias depois minha mãe ficou louca porque o Nada tinha feito cocô na casa inteira, levei outra surra e o Nada foi embora. Mais o que eu podia ter feito? Não senti catinga nenhuma. Foram três longos dias, eu tentava entender como é que aquele ser podia está sempre balançando o rabo como se quisesse me mostrar que era feliz, mesmo nas maiores broncas.


Tempos depois eu arrumei uma namorada! Nosso primeiro beijo foi muito curioso: ela me segurou pelo braço e tacou um bejão... logo depois perguntou o que eu tinha sentido, eu olhei bem nos seus olhos e falei: Não senti nada! Ela me deu um tapão no rosto e foi embora. Se eu sentisse alguma coisa eu até teria sorrido.


O sexo sempre foi algo muito peculiar em minha vida, nunca senti vontade de fazer, entretanto, nunca senti vontade de não fazê-lo! Então o fiz. Fiz muito... com várias mulheres. Bastava um encontro e pumba fazia sexo. Mais não sentia nada. Se todos faziam e gostavam, então não teria problema de eu fazer também. Nunca senti vontade de estudar, e mesmo assim, me formei.


Foi aí que eu comecei a me questionar. Porque eu não sentia as coisas?!


Comecei a fingir que sentia, pra que eu mesmo pensasse que tava sentindo, aquilo que não sentia! Ficava prestando atenção nas pessoas; quando sorriam, eu sorria também; quando choravam, eu também chorava; quando ficavam bravas, eu imitava direitinho. Então, percebi que tudo estava mudando. As pessoas não me evitavam mais, mas eu continuava sem sentir nada. Ninguém percebia. Era tão obvio a minha falsa interpretação, eu nunca cairia num truque destes. Só que ninguém se importava se era verdade ou não. Se eu sentisse alguma coisa talvez até ficasse angustiado.


Continuo levando minha vida. Até hoje sem saber o que é sentir. Na verdade, às vezes, até acho que tenho todos os sentidos, só que nunca aprendi a usá-los.


Outras vezes acho que sou louco. Mais quem não é?!

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